2 Metodologia

Esta coleção vertiginosa é o rastro deixado por um caminho de aprendizado, registro de uma navegação imprevisível. A maneira como ele é trilhado será brevemente descrita, na intenção de ajudar na leitura e até encorajar a busca de rotas alternativas. Este ensaio metodológico é uma forma de pedir licença para expor minha argumentação, justificando minhas escolhas e me desculpando pelas limitações.

Falar de método implica em tratar sobre caminho. Método, palavra que hoje parece ter um sentido de rigidez e extrema disciplina: aquela pessoa que se mantém “nos eixos” e realiza um trabalho “impecável” seguindo “à risca” uma metodologia: dizemos que ela é metódica. À impressão de perfeição e infalibilidade desta pessoa modelar soma-se uma aversão a alguém que não se diverte – não se desvia e muito menos se alegra com sua atividade: a pessoa metódica seria taciturna, sóbria, autocontrolada, uma espécie de relógio humano cuja missão é unicamente descrever o mundo racionalmente e indicar de modo rígido como as coisas devem ser feitas; seria a pessoa “correta” e ao mesmo tempo chatíssima, como naquela música “Certo sim, seu errado” da banda Casa das Máquinas! Quem quer viver assim? Não parece ser este um método de aprisionamento e das ciências tristes?

Não é desta postura metodológica que estou falando, mas sobre a parte da pesquisa que se volta para o pensamento sobre como a própria pesquisa foi, é e será feita, aceitando desvios, encontros, mudanças, limitações. Aqui faço os mesmos votos do pensador e educador Edgar Morin para que o meu método em constante transformação não negue a irredutibilidade do mundo a esquemas e categorias4:

O que ensina a aprender é o método.

Eu não trago o método, eu parto em busca do método. Eu não parto com o método, eu parto com a recusa, totalmente consciente, da simplificação. A simplificação é a disjunção em entidades separadas e fechadas, a redução a um elemento simples, a expulsão do que não entra em um esquema linear. Eu parto com a vontade de não ceder a estes modos fundamentais do pensamento simplificador:

  • idealizar (acreditar que a realidade possa se reabsorver pela idéia, que o real é inteligível),

  • racionalizar (querer encerrar a realidade na ordem e na coerência de um sistema, proibir qualquer transbordamento deste, ter a necessidade de justificar a existência do mundo conferindo-lhe um certificado de racionalidade),

  • normalizar (quer dizer, eliminar o estranho, o irredutível, o mistério).

Eu parto também com a necessidade de um princípio de conhecimento que não apenas respeite, mas reconheça o não-idealizável, o não-racionalizável, o que foge às regras, o enorme. Nós precisamos de um princípio de conhecimento que não apenas respeite, mas revele o mistério das coisas.

Originalmente, a palavra método significava caminhada. Aqui, é preciso aceitar caminhar sem um caminho, fazer um caminho enquanto se caminha. É o que dizia Machado: Caminante no hay camino, se hace camino al andar. O método só pode se construir durante a pesquisa; ele só pode emanar e se formular depois, no momento em que o termo transforma-se em um novo ponto de partida, desta vez dotado de método. […] O retorno ao começo não é um círculo vicioso se a viagem […] significa experiência, de onde se volta transformado. […] Então o círculo poderia se transformar em um espiral em que o retorno ao começo é precisamente o que o afasta do começo.

Etimologia 2.1 (Método) A palavra grega clássica μέθοδος – méthodos – traduzida como busca de conhecimento, investigação, modo de realizar essa busca, é formada5 pelas palavras μετά – metá – e ὁδός – hodós: a primeira delas significando tanto no meio, adiante como entre, com, depois6 –, ao passo que a segunda significa jornada, marcha, caminho, estrada, curso7.

Enquanto hodós parece ter um significado direto, metá possui uma complexidade maior que sugere uma sequência, uma sucessão ou talvez até mudança8. Há uma indicação9 de que metá também pode significar busca.

A junção de ambas palavras nos daria algo como “em busca, no meio ou numa sucessão de caminhos”, não se aplicando necessariamente à busca de conhecimento.

Dentre os empregos da palavra méthodos incluem-se tanto doutrina do movimento10 quanto ter um plano ou sistema, mas tenho a impressão de que ainda há muito a se descobrir pela etimologia da palavra método!

Provisionalmente, consideremos método como a busca pelo caminho de aprender, sempre em mutação. Metodologia aqui também será uma metadologia, um estabelecimento de meta como um objetivo que não é só chegar a um destino mas também amar o caminho11.

Não há como encontrar este caminho senão começando a caminhar…

References

Beekes, Robert Steven Paul; Lucien van Beek. 2010. Etymological Dictionary of Greek (vols. 1 & 2). Bilingual. Leiden Indo-European Etymological Dictionary Series, Vol. 10. Brill.
Hoad, T. F. 2002. The Concise Oxford Dictionary of English Etymology. Oxford University Press.
Lennox, James G. 2015. “How to study natural bodies: Aristotle’s μέθοδος”. In Aristotle’s Physics: A Critical Guide, 10–30. Cambridge Critical Guides. Cambridge University Press.
McKenzie, H. G. Liddell; R. Scott; H. S. Jones; R. 1996. A Greek-English lexicon. 9th revised edition. Clarendon Press.
Morin, Edgar. 2005. O Método 1. A natureza da natureza. Editora Sulina.

  1. Morin (2005) págs. 35-36.↩︎

  2. De acordo com McKenzie (1996) pág. 1091 e Hoad (2002) pág. 291.↩︎

  3. Beekes (2010) págs. 936-937 e McKenzie (1996) pág. 1108.↩︎

  4. Conforme Beekes (2010) págs. 1046-1047.↩︎

  5. Como indica Hoad (2002) pág. 291.↩︎

  6. Idem em McKenzie (1996).↩︎

  7. Vide Lennox (2015) além de McKenzie (1996) por exemplo.↩︎

  8. (TODO?) amar o caminho e amar o destino (amor fati)↩︎