1 Introdução

Este é o volume introdutório do Projeto Vertigem1, oferecendo um apoio possível para caminhadas metodológicas.

Assim como os outros volumes, ele é apresentado na forma de ensaio em construção, um livro vivo atualizado ocasionalmente.

1.1 Livros Vivos

A forma final destes trabalhos possivelmente intermináveis é destinada, com sorte, ao arquivo para as próximas gerações, e com mais sorte ainda para o registro histórico-arqueológico-geológico. Ao Livro Vivo cabe a escita, a re-escrita, a afirmação, a reafirmação, ir adiante, voltar atrás, revisar, reconsiderar, logar, dialogar, trialogar, quadrilogar, enealogar…

Este proponente do Livro Vivo almeja se libertar da ditadura do grande lançamento, da apoteose, da glória, do ineditismo, da novidade, da acurácia total, da ausência de erros, do perfeccionismo, do rigor total e da máxima excelência, da consistência, da coerência total e da Academia Brasileira de Letras. Não me levem a mal: estou dando o melhor de mim, mas entendo que isso nunca será suficiente perante o julgamento histórico e o escrutínio dos tempos.

Livros vivos são para livrar do medo, da angústia e ansiedade da crítica, da resenha, da irrelevância, da redundância, da incompletude, da contradição, do paradoxo assim como de tantos outros equívocos, de dizer alguma tolice, de falar demais, de falar de menos, da existência de obras que já disseram isto e aquilo – e das quais nunca ouvi falar, ou não tive tempo de ingerir –, de não falar como e do quê as correntes de pensamento mais “atuais” e “contemporâneas” tratam, dos temas considerados “obrigatórios” a serem abordados, assim como de tantas outras ansiedades. Se eu tentar conciliar muita coisa terminarei por não fazer nada, por não redigir e publicar nada.

Assim como para escapar da vaidade de ser querido, influente, lembrado, adorado, importante, necessário, imortalizado; de fazer isso em troca de algo, na expectativa de compensação, de reconhecimento e de tantas outras tristes travas e faltas que impedem viver com alegria e potência para produzir (e também para não produzir nada).

Também para desobrigar do delírio de escrever a obra mágica que salvará o mundo e que inspirará gerações. Do devaneio de que bastaria um bom texto para disparar uma nova narrativa emancipatória, e de que esta impulsionará mudanças benéficas.

Tanto melhor se esta obra e esta caminhada contribuírem para um mundo justo e vivível. Assim o custo planetário para sua produção não terá sido tão em vão, mesmo que isso seja difícil, ou impossível, de avaliar.

A forma final deste trabalho será, usando uma expressão de Gavin Adams, uma tentativa de produzir um “entulho de qualidade”: mais um sedimento depositado nos arquivos… um sumário-síntese-análise, um grande arremedo.

Enquanto isto, ele será um trabalho de caminhada, “de travessia”, de trabalho, work-in-progress e uma das concretizações do meu processo metodológico de aprendizado, onde aquilo que antes era perspectiva rapidamente pode ser tornar retrospectiva, ou conjectura desatualizada, defasada em relação ao mundo, e re-arborizada em sequências de letras que não cansam de mudar de lugar, como formigas inusitadas.

Trata-se portanto de um fazimento2:

Fazimento é um termo criado e utilizado por Darcy Ribeiro para caracterizar a concretude do pensamento, isto é, o movimento do pensamento (teoria) com a sua ação concreta (prática). Designa a reação do homem às suas condições reais de existência na busca incessante da transformação social. Esse termo nos remete a palavra grega práxis (ação- reflexão-ação), que é um conceito utilizado para afirmar a relação dialética entre o homem e a natureza, na qual o homem, ao transformar a natureza com o seu trabalho, transforma a si mesmo.

O Livro Vivo é uma saída para vários devaneios sobre o impacto de uma obra, assim como uma solução pragmática para a necessidade de pensar com o e em movimento3, evitando também cair na procrastinação eterna da síndrome do “ainda não está pronto”.

Esta é uma aposta pra valer – mas sem expectativa e sem esperança – de que esta obra possa ajudar: pode haver uma simultânea importância e irrelevância do que pesquiso no meu tempo livre: creio estar pesquisando temas de importância fundamental, ao passo de que acredito que tal pesquisa não é aquilo que está faltando para que as coisas dêem certo. Pode contribuir, mas não é crucial. Talvez seu impacto e influência seja mínimo, e passe desapercebido. Como disse um amigo de um amigo, este seria “um pequeno passo para a humanidade, mas um grande passo para mim”.

Daí a importância da humildade que acompanha a confecção dos livros vivos: eles não registram em pedra a versão final dos argumentos, mas estão inseridos nos debates, podem influenciá-los um pouco e por eles são muito influenciados.

Longe de estarem acabados, encerrados, herméticos e auto-contidos, os livros vivos nem sempre resolvem ou “desenvolvem” todas as questões que colocam. Muitas pontas ficam soltas. Isto poderia ser considerado ruim, mas aqui será tido como um convite para quem quiser seguir caminhos esquecidos, abandonados ou ainda não percorridos.

Os livros vivos representam uma atitude de compartilhar a pesquisa enquanto ela ocorre.

References

Moraes, Alana. 2020. “Experimentações baldias & paixões de retomada - vida e luta na cidade-acampamento”. Tese de doutorado, Museu Nacional - PPGAS/UFRJ. https://www.academia.edu/44927479/Experimenta\%C3\%A7\%C3\%B5es_baldias_and_paix\%C3\%B5es_de_retomada_vida_e_luta_na_cidade_acampamento.
———. 2024b. Projeto Vertigem. Publicações Vertiginosas. https://vertigem.fluxo.info.
Souza, Silvio Claudio, e Carla Zottolo Souza. 2019. “A importância do pensamento e dos fazimentos do intelectual Darcy Ribeiro”. Revista Teias 20 (56). https://doi.org/10.12957/teias.2019.39611.
Tible, Jean. 2022. Política Selvagem. 1º ed. GLAC edições; n-1 edições.

  1. Rhatto (2024b)↩︎

  2. Souza e Souza (2019) pág. 51.↩︎

  3. No espírito de pesquisa-luta tal como descrito em Moraes (2020) e Tible (2022).↩︎