5 Árvore
Correndo o risco da simplificação apontado por Morin, é necessário que escolhas estruturais temporárias sejam feitas para que possamos prosseguir na caminhada, mas sem deixar de reconhecer que as escolhas feitas implicam em limitações idealizadoras, racionalizadoras e normalizadoras.
Uma estrutura deste tipo pode ser chamada de ontologia22, isto é, o estudo e classificação daquilo que existe de acordo com uma escolha epistemológica. Não há uma única Ontologia, mas tantas quantas forem possíveis de serem concebidas. Uma ontologia seria a montagem da caminhada sequencial do labirinto numa estrutura de ligação entre explicações. O labirinto não é descritível por um único sistema de conhecimento nem por uma única ontologia.
A coisa toda é tão maluca que podemos até estudar as possibilidades de classificação de conjuntos de ontologias!
Toda ontologia é local e provisória e as tentativas de explicações globais e totalizantes terão um viés ideológico23 por negarem outras ontologias possíveis. Isto é fácil de demonstrar: é como dizer que tudo é relativo, uma afirmação de relatividade que já tem lá sua pretensão de absoluta!
A ontologia é uma gambiarra. Usamos um relativo local para criar um absoluto global e temporário com fins específicos e restritos. Esquematismos teórico-narrativos como o desta obra não podem ser confundidos com a afirmação de que o mundo é esquemático deste jeito: o esquematismo descreve a caminhada, mas não é nem esta e muito menos o caminho ou o território.
Se, na caminhada metodológica pelo labirinto, um espaço é substituído por uma linha ao percorremos uma área ou volume de território numa trajetória que é linear, então a construção ontológica converte esta linha para uma estrutura de outro tipo que não é equivalente ao labirinto, mas sim uma versão simplificada do mesmo.
Enquanto a escrita e a leitura tem um aspecto serial – processamento de sequências de símbolos e agrupamentos maiores – mas não necessariamente linear, assim como um dicionário, é uma enciclopédia/labirinto disfarçada24, pois a leitura de um termo ou verbete pode remeter a outros, num processo infinito.
Uma das maneiras de dar estrutura menos complexa para a rede de explicações é acreditar na possibilidade de que termos menos gerais possam ser explicados por um conjunto finito de termos mais gerais, como por exemplo categorias, de tal modo que várias coisas distintas possam ser ligadas a categorias mais gerais, que por suas vezes estão ligadas a categorias ainda mais gerais até que haja uma única categoria primitiva ou principal.
Este tipo de ontologia é do tipo “árvore”: o desenho construído do caminho trilhado é uma árvore de conhecimento, estabelecendo uma espécie de hierarquia de conceitos. Assim como o rizoma, a árvore é outra metáfora vegetal usada para compreensão do processo de conhecimento, mas neste segundo é usada para conceituar algo mais simples e operacionalizável do que o rizoma.
A segmentação deste texto em capítulos, seções, sub-seções etc formam uma árvore deste tipo. As discussões apresentadas muitas vezes se bifurcam noutros assuntos – ramos ou raízes que saem do tronco ou a partir de outros ramos e raízes. Alguns são tratados em notas marginais e outros como digressões no meio do texto.
O grande tronco desta obra é a noção de “máquina de estado”. Tão importantes quanto este são os conceitos de serviço secreto, tortura e golpes, que considero também como troncos ligados à mesma árvore das máquinas de estado por um processo de alporquia25.
Mas os diversos conceitos que utilizo nesta ontologia não cabem muito bem numa árvore. Luto o tempo todo para decidir onde e como vou introduzir um novo termo sem que o texto fique confuso mas sem que a pessoa leitora se depare com conceitos que dependam de outros que serão definidos só mais adiante.
Uso a árvore como estrutura ontológica, ao mesmo tempo em que fujo dela. A maneira como procedo tanto na caminhada metódica quanto na estruturação ontológica é uma rede que tem um formato de árvore mas que sempre que necessário permita algum tipo de ligação entre ramos, galhos e raízes distantes, desrespeitando a hieraquia arbórea.
Faço isso percorrendo essa árvore de modo espiral, às vezes seguindo a ordem dos ramos, galhos etc como uma formiga mas também permitindo saltos, como fazem os pássaros, insetos alados e herbívoros, revisitando conceitos já abordados, balançando os galhos e até modificando a estrutura da árvore.
Uma árvore de conhecimento está relacionada a um método estruturalista, que segundo Castoriadis (2002)26 seria apenas um procedimento mnemotécnico; as árvores de conhecimento seriam então mais um dispositivo de aprendizado e memorização, tal como as Máquinas de Aprendizado do artista George Maciunas, do que uma representação fiel da realidade27. Alias, se é uma representação é porque não é a própria realidade, ora bolas!
A hierarquização/arborização teve grande sucesso em estudos como o das linhagens/gerações de seres vivos e da mudança/herança nos idiomas.
É um modelo interessante, porém incompleto, para explicar entidades que são geradas a partir de entidades anteriores com modificações neste processo reprodutivo, conforme será abordado na Seção ??.
A dimensão arbórea deste trabalho é compensada por uma componente espiral, tanto cíclica quanto retilínea, que percorre sempre novos territórios enquanto revisita assuntos já discutidos e manter sua direção para um nexo discursivo, operando como uma espécie de “bacia de atração”28.
Consigo cartografar o labirinto, mas o mapa produzido só me leva mais e mais para dentro…