6 Espiral

Se a árvore institui ontologias locais, a espiral as chacoalha e permite ligações entre ramos para além da estrutura arbórea, conectando pontos distantes. A espiral produz pontes que se aproveitam da flexibilidade da árvore. A espiral é o próprio vento literário que perpassa as ontologias.

Tanto o processo de escrita é espiral quanto os próprios textos espiralam aos poucos: elem seguem rotativamente, numa fina linha em esprial, com ensaios, capítulos e sessões ao mesmo tempo independentes e interdependentes29:

If we are better to appreciate the quandaries of writing a history of something that resists displaying any central tendencies, we must begin with some relatively conventional narratives, and then retell the story in ever-widening outward spirals.

Por outro lado, encontraremos tendências centralizantes que farão com que a trajetória desde qualquer ponto de partida tenha a forma de uma espiral para dentro: o caminho que a espiral percorre depende do sentido do nosso deslo(u)camento. Como diz Morin30,

Conceber a circularidade é abrir o quanto antes a possibilidade de um método que, pela interação dos termos que se remetem entre si, se tornaria produtivo, através destes processos e trocas, de uma consciência complexa, comportando a sua própria reflexividade.

Assim, assistimos à nossa esperança renascer do que fazia o desespero do pensamento simplificador: o paradoxo, a antinomia, o círculo vicioso. Nós pressentimos a possibilidade de transformar o círculos viciosos em círculos virtuosos, refletidos e geradores de um pensamento complexo.) Daí a idéia que guiará nossa partida: não é preciso quebrar as nossas circularidades, é preciso, ao contrário, vigiar-se para não nos desligarmos delas. O círculo será nossa roda, nossa rota será espiral.

Estes são ensaios de uma construção teórica em loop, em esprial, com autoconsistência interna básica e uma mini-ontologia auto-explicativa.

O método espiral favorece a escrita em paralelo, permitindo que a partir de um ponto seja possível acessar toda uma seção transversal da espiral contendo outros pontos em outras voltas espiraladas.

A espiral não é apenas uma forma recorrente no mundo como tem, ao menos na cultura dita ocidental, um uso simbólico para situações sem escapatória. Esta imagem está presente na política para indicar o agravamento de condições recrudescedoras de regimes e situações de conflito, sendo este é o principal motivo que me faz considerar com mais intensidade a ideia de espiral, tendo como principal exemplo e inspiração do filme La spirale de Mattelart e Chris Marker sobre o Golpe de Estado no Chile de 197331 a ser discorrido no ensaio Máquinas de Estado32.

As espirais deste estudo me dão uma vertigem constante, uma sensação de que não há mais chão ou lugar sólido para permanecer, pois o que era sólido há muito desmanchou no ar33. Como, de fato, nunca houve. Com frequência me vem a ideia de que estes ensaios se inspiram no livro “Gödel, Escher, Bach”34, como se fosse sua versão punk, com seus loops estranhos em espiral!

A linha narrativa destes ensaios não pretendem ser universal ou universalizante. A ontologia arbóreo-espiral terá também a forma de um monstro… talvez dirão até uma aberração ontológica. É o que tenho a oferecer, passando ao longe de conter todo o conhecimento de uma dada área ou campo de conhecimento: mesmo que isso fosse possível seria apenas temporário. Ofereço apenas traços de um caminho muito particular feito de muitas leituras, conversas, reflexões e experiências. Afinal, estes textos são ensaios.

Quanto mais desenvolvo minhas ideias, mais sou envolvido por elas…

References

Hofstadter, Douglas R. 1979. Gödel, Escher, Bach: An Eternal Golden Braid. First Edition. Basic Books.
Karl Marx, Friedrich Engels. 2018. The Communist Manifesto. 1º ed. Vintage.
Marker, Chris, Valérie Mayoux, Jacqueline Meppiel, Étienne Becker, Armand Mattelart, Chris Marker, e et al. 1976. La spirale. https://fr.wikipedia.org/wiki/La_Spirale_(film).
Mirowski, Philip. 1999. “Cyborg Agonistes: Economics Meets Operations Research in Mid-Century”. Social Studies of Science 29: 685–718. https://doi.org/10.2307/285798.
Morin, Edgar. 2005. O Método 1. A natureza da natureza. Editora Sulina.
Rhatto, Silvio. 2024a. Máquinas de Estado: Serviço Secreto, Tortura e Golpes. Publicações Vertiginosas. https://cybersni.fluxo.info.

  1. Mirowski (1999) pág. 688.↩︎

  2. Morin (2005) pág. 32.↩︎

  3. Marker et al. (1976).↩︎

  4. Rhatto (2024a).↩︎

  5. Karl Marx (2018) Cap. 1.↩︎

  6. Hofstadter (1979).↩︎