4 Labirinto

Se, mesmo com este aparato limitado, eu tenha um ambição faustiana15 de fazer uma espécie de inventário de tudo o que existe e que pode existir assim como todas suas relações, como posso proceder?

Ou seja, como posso converter um inventário irrestrito de tudo o que existe se apenas sou capaz de manter um inventário restrito16?

Esta será nossa primeira troca de um infinito por um finito, feita antes mesmo de introduzirmos a cibernética: a construção de um texto limitado composto por uma série de explicações ligadas entre si. A leitura do texto pode ser sequencial, mas uma explicação pode ser ligada a mais de uma outra explicação, permitindo que uma “coisa” seja explicada em termos de outras coisas.

Não tenho motivos para duvidar de que a relação entre as explicações poderá ter uma forma tão complexa quanto eu possa imaginar. Atualmente, a mais complexa seria uma rede de explicações onde cada uma delas estaria conectada a todas as outras17:

The main feature of a net [of this type] is that every point can be connected with every other point, and , where the connections are not yet designed, they are, however, conceivable and designable. A net is an unlimited territory.

Como exemplo, para que eu descreva um fenômeno completamente num sistema de explicações deste tipo, é necessário que eu percorra toda a rede de explicações, abordando toda a história do universo até a ocorrência do fenômeno assim como suas consequências! Esta rede tende ainda a ter um tamanho muito maior do que eu possa concebê-la ou percorrê-la, talvez tendendo ao infinito!

Trata-se de um tipo de labirinto cuja uma forma carece de uma estrutura que me ajude a decidir um caminho: por mais que tudo possa estar relacionado com tudo, a minha caminhada será única e talvez possa ter uma estrutura menos complexa. Mas, como navego num labirinto extraindo conhecimento, para que tenha um conhecimento total é preciso que “complete” o labirinto?

Há portanto um paradoxo do conhecimento: para que aprenda algo, é necessário que dê alguma estrutura de significados, porém ao fazer isso reduzo minha capacidade de entender outros arranjos do mundo que não caibam nessa estruturação.

Só consigo sair deste paradoxo se fugir constantemente para o futuro: sempre modificando a estruturação dos significados conforme me deparo com novos fenômenos e novas entidades.

Não há, portanto, uma maneira de converter um inventário irrestrito num restrito sem que haja perda de explicações. Mas deixar de fazer esta conversão também parece impossível.

Correndo o risco do erro das totalizações, diria que qualquer aprendizado tem potências e limitações. A escolha epistemológica trata então de como, do alto da nossa ignorância – nem sei se nada sei!18 –, de decidir como estruturar ou buscar esta estrutura de aprendizado: como ligar entre si as coisas que aprendemos.

Não teremos um mapa total e correto do labirinto que é a atividade de conhecer. O caminho percorrido será único para cada pessoa. Mesmo esforços coletivos para produzir compêndios, enciclopédias, paradigmas e teorias científicas esbarrarão na limitação imposta pelo labirinto e pelas caminhadas que sempre serão únicas.

Umberto Eco menciona19 que a melhor imagem desta rede é a metáfora vegetal do rizoma:

The best image of a net is provided by the vegetable metaphor of the rhizome suggested by Deleuze and Guattari (1976). A rhizome is a tangle of bulbs and tubers appearing like “rats squirming one on top of the other.” The characteristics of a rhizomatic structure are the following: (a) Every point of the rhizome can and must be connected with every other point. (b) There are no points or positions in a rhizome; there are only lines (this feature is doubtful: intersecting lines make points). (c) A rhizome can be broken off at any point and reconnected following one of its own lines. (d) The rhizome is antigenealogical. (e) The rhizome has its own outside with which it makes another rhizome; therefore, a rhizomatic whole has neither outside nor inside. (f) A rhizome is not a calque but an open chart which can be connected with something else in all of its dimensions; it is dismountable, reversible, and susceptible to continual modifications. (g) A network of trees which open in every direction can create a rhizome (which seems to us equivalent to saying that a network of partial trees can be cut out artificially in every rhizome). (h) No one can provide a global description of the whole rhizome; not only because the rhizome is multidimensionally complicated, but also because its structure changes through the time

Apesar de ser uma imagem apropriada para explicar a complexidade desta teia de conhecimento relativo, ela não é nada operacional pois não ajuda nas escolhas nem mesmo a determinar se alguém navegando num labirinto está de fato dentro de um rizoma: se ninguém consegue descrever um rizoma – item h da descrição de Eco –, então como é possível saber que se trata de um rizoma? Assumimos que estamos num rizoma por suposição, mas jamais temos como comprovar mediante uma cartografia e o mapeamento é impraticável, já que uma maneira seria alguém visualizar o rizoma “de fora”, mas pela definição o rizoma não tem dentro nem fora.

Se o labirinto é um rizoma, não há como sabê-lo: mesmo que alguém navegue por ele sem parar não terá garantias de que chegará numa posição onde não haja infinitas conexões.

Nesse sentido, o rizoma então é apenas uma “ideia reguladora” que comporta a própria negação da existência do rizoma20:

moreover, in a structure in which every node can be connected with every other node, there is also the possibility of contradictory inferences

O rizoma não é pragmático, e como o próprio D’Alembert, enciclopédico do período da época chamada de “Iluminsmo”, concluiu, o sistema geral das ciências seria um labirinto, uma estrada tortuosa, uma desordem21.

Por isso, a única possibilidade de me encontrar é me perdendo…

4.1 Referências

References

Eco, Umberto. 1986. Semiotics and the Philosophy of Language. Reprint. Advances em Semiotics. Indiana University Press.

  1. (TODO?) breve resumo da história de Fausto.↩︎

  2. Eco (1986) Cap. 2 pág. 47.↩︎

  3. Eco (1986) Cap. 2 pág. 81.↩︎

  4. (TODO?) em referência a uma fala/atitude atribuída a Sócrates.↩︎

  5. Eco (1986) Cap. 2 págs. 81-82.↩︎

  6. Eco (1986) Cap. 2 pág. 82.↩︎

  7. Eco (1986) Cap. 2 pág. 82.↩︎