8 Estrutura

Escrever é um ato de governo, de conduzir suavemente quem lê ao longo de uma grande narrativa, mesmo que o ritmo seja intenso e espiralante a ponto de causar vertigens.

Cada capítulo dá uma volta nas ideias de governo. A cada volta, há um deslocamento e várias novidades. De modo que as voltas compõem uma espiral para dentro, para um cerne. O método em espiral é distinto e complementar ao método genealógico de “descascar a cebola até chegar na origem”35. Ambos compartilham da não-expectativa de encontrar um ponto singular de gênese, porém diferem no quesito temporal: a genealogia parece se debruçar sobre um momento por vez, enquanto que a espiral é um vendaval que mistura e bagunça a cronologia, se preocupando mais com as relações entre conceitos e entidades; são equivalentes e diferentes, como na escolha entre referenciais.

Na mesma intenção e limitação de Wittgenstein, este ensaio é uma “viagem a várias direções” dada a impossibilidade de uma “sequência perfeita de apresentação”, contendo uma série de esboços, quase como um álbum. Nas palavras do velho Witt36:

The thoughts which I publish in what follows are the precipitate of philosophical investigations which have occupied me for the last […] years. They concern many subjects: the concepts of meaning, of understanding, of a proposition, of logic, the foundations of mathematics, states of consciousness, and other things. I have written down all these thoughts […] of which there is sometimes a fairly long chain about the same subject, while I sometimes make a sudden change, jumping from one topic to another. – It was my intention at first to bring all this together in a book whose form I pictured differently at different times. But the essential thing was that the thoughts should proceed from one subject to another in a natural order and without breaks.

[…] And this was, of course, connected with the very nature of the investigation. For this compels us to travel over a wide field of thought criss-cross in every direction. […]

Destas viagens a uma região ampla trazemos muitos pensamentos e a também o desafio de estruturá-los agradavelmente num todo diverso e coerente, sem que fiquem presos ou soltos demais uns nos outros e que a passagem de um argumento para outro seja seca ou abrupta.

Uma espécie de precipitação, isto é, a chuva resultante das investigações filosóficas foi disposta nesta árvore como nos significados da palavra latina structūra37: acomodação, adaptação, colocar junto, montar, erguer, construir num arranjo mnemotécnico38 que preserve intensas relações entre vários assuntos com delicadeza e facilidade de entendimento e memorização mas simultaneamente sem esconder o processo e a confusão: a mistura entre coisas.

Mesmo que haja boa técnica, o arranjo ainda pode parecer uma pilha de coisas juntadas ao acaso, lembrando os dizeres de Heráclito de que “o mais belo mundo ordenado não passa de uma pilha de lixo disposta ao acaso”39. Não é porque uma narrativa foi bem estruturada que ela necessariamente revela uma estrutura do mundo para além da estrutura da narrativa, mas o estilo faz parte do método40:

estilo e epistemologia estão ligados de tal forma que a epistemologia se expressa no estilo e o estilo nos conta da epistemologia. Refletir sobre o estilo é pensar qual o modo de produção de conhecimento que está em jogo, e refletir sobre a produção do conhecimento é ao mesmo tempo ter de escolher uma forma de expressão.

Nesta vastidão de ideias, penduro meus pensamentos condensados numa pequena árvore de uma imensa floresta…

8.1 Referências

References

Anscombe, Ludwig Wittgenstein; G. E. M. 1986. Philosophical Investigations. 3rd ed. Blackwell Publishers.
Fontes, Flávio Fernandes. 2015. “O estilo lacaniano e a polissemia dos conceitos”. Fractal: Revista de Psicologia 27 (dezembro): 324–29. https://doi.org/10.1590/1984-0292/999.
Glare, P. G. W. 1968. Oxford Latin Dictionary. Clarendon press.
Short, Lewis &. 1891. The new Latin Dictionary. Harper & brothers.

  1. (TODO?) referência↩︎

  2. Anscombe (1986) pág. vii-viii.↩︎

  3. Glare (1968) pág. 1829; Short (1891) pág. 1767.↩︎

  4. Seção 5.↩︎

  5. Vide Seção ??↩︎

  6. Fontes (2015) pág. 329.↩︎